Já falei muito sobre princípios éticos por aqui, como o “Conheça seu Cliente” (KYC), Chinese Wall e outros termos importantes.
Também já abordei algumas práticas anti-éticas que são completamente ilegais, embora relativamente comuns, como o Insider Trading.
Seguindo a mesma lógica, voltarei a falar de um tema relacionado às normas e padrões éticos do sistema financeiro: o Front Running. Já ouviu falar dele?
Esta é uma prática ilícita que, a exemplo do Insider Trading, também se vale de um tipo de Insider Information (informação interna).
Mas sem pressa. Para não correr o risco de se perder entre comparações, antes de entrar no assunto de hoje, que tal uma breve revisão sobre o que é Insider Information?
O que é Insider Information?
O Insider Information nada mais é do que uma informação interna sobre a qual as pessoas que não trabalham em uma empresa — o público geral, por exemplo — não possuem conhecimento.
Por exemplo, você ficou sabendo que uma empresa X vai adquirir outra empresa Y somente porque é um colaborador da empresa X.
Uma vez que esta transação deve ser muito vantajosa, você sabe que as ações da empresa Y entrarão em um período de alta. Ou seja, as ações desta empresa serão valorizadas.
Esse conhecimento é chamado de Insider Information. A utilização desta informação para obtenção de lucro, por sua vez, é chamada de Insider Trading.
Porém, vale lembrar que essa prática só é considerada como Insider Trading em casos de empresas que são negociadas na bolsa de valores ou que estão em vias de serem negociadas.
Até porque saber uma informação de uma empresa que não é negociada no mercado de capitais não teria muita serventia, não é mesmo?
Revisado o significado de Insider Information e Insider Trading, vamos abordar então o Front Running.
O que é Front Running e como funciona?
Front Running é o uso de uma informação interna e sigilosa (Insider Information) pelo corretor de valores. Aqui, ele toma a dianteira e realiza operações antes de executar a ordem dos seus clientes, tudo para obter lucro.
O exemplo mais comum disso ocorre no mercado financeiro, quando um corretor recebe uma ordem muito grande de compra ou venda de muitas ações de determinada empresa.
Sabendo que uma ordem assim vai causar oscilação no mercado, o corretor coloca a sua ordem (muito menor) antes da do cliente. Desta forma, ele consegue se aproveitar deste movimento.
A esta prática de pular na frente, com a finalidade de obtenção de lucro utilizando-se de informação privilegiada, damos o nome de Front Running.
É importante lembrar, mais uma vez, que possuir informações não é crime, mas tirar proveito por meio da prática de Insider Trading e Front Running sim.
Qual a diferença entre Insider Trading e Front Running?
Quando falamos de Front Running, tratamos exclusivamente da prática de um corretor ou intermediário financeiro “correr na frente” de seu cliente e executar uma ordem menor para se aproveitar do movimento de uma ordem de volume mais expressiva.
Já a prática de Insider Trading consiste no uso de informações internas e privilegiadas de uma empresa. Assim, não é uma prática exclusiva de um corretor de valores mobiliários (AAI) ou intermediário financeiro.
Qualquer pessoa que trabalhe em uma empresa negociada em bolsa e utilize informações internas para obtenção de lucro próprio (em seu nome ou de terceiros) está cometendo o crime de Insider Trading.
O High-Frequency Trading se caracteriza como Front Running?
Embora levante controversas por parte de alguns profissionais e especialistas, o High-Frequency Trading (HFT) — em tradução direta “negociação em alta frequência — é uma forma de operação considerada legal e que, inclusive, representa, normalmente, mais da metade do volume de negociações das bolsas de valores. Só com isso, já é possível saber que não é caracterizada oficialmente como Front Running.
Observe que esse “oficialmente” não é despropositado, dado que há quem defenda o contrário. A polêmica é tanta, que o HTF foi classificado como “Front Running legalizado” pelo renomado escritor e jornalista financeiro dos Estados Unidos, Michael Lewis, autor de “Flash Boys: A Wall Street Revolt“, bestseller não-fictício que explora o uso do high-frequency trading por empresas financeiras.
Sei que neste ponto você deve estar se perguntando como algo legalizado e tão amplamente utilizado no mercado pode ser comparado com um ato ilícito financeiro.
Para entender a raiz desse debate, precisamos voltar a maio de 2010, para falar de um evento emblemático que ficou conhecido como “Flash Crash“. Antes disso, contudo, me deixa explicar o que é o HFT para quem ainda não conhece.
O que é HFT?
O High-Frequency Trading é uma categoria de negociação algorítmica realizada por intermédio de softwares na bolsa de valores. É utilizado, sobretudo, como uma ferramenta estratégica capaz de encontrar oportunidades de arbitragem em mercados de altíssima liquidez.
Esses programas de computador usam algoritmos para determinar parâmetros e automatizar a tomada de decisões de negociação, incluindo o momento de entrada e saída do mercado, o preço a ser pago por ativos e o volume de operações, tudo sem a necessidade de intervenção humana direta.
Os HFTs são utilizados por traders e instituições financeiras para realizar a execução de ordens de compra e venda em velocidade extrema, chegando a realizar milhares de negociações na bolsa em frações de segundos.
A ideia é que os computadores realizem operações de curtíssimo prazo, aproveitando-se de pequenas disparidades de preços de ativos encontrados em diferentes bolsas ou mercados para obter lucros rápidos — muitas vezes de apenas alguns centavos. Uma vez que as ordens são repetidas aos milhares, mesmo a menor variação pode gerar rendimentos potencializados.
O alto volume de negociação e a velocidade com que os computadores conseguem empregar são, obviamente, impossíveis de ser alcançados por investidores que não se valem dessas ferramentas. Essa disparidade costuma ser a base para discussões sobre como o uso de HFTs pode afetar a estabilidade e integridade do mercado.
Isso, contudo, se torna ainda mais evidente em situações específicas como a ocorrência de um Flash Crash, fenômeno que consiste na queda repentina e drástica no preço de algum ativo que, passado algum tempo breve, passa a ter seu valor estabilizado.
Quando isso ocorre, os softwares, que são programados para detectar variações de preço, saem à frente dos demais investidores e executam milhares de ordens, antes que a maioria das pessoas possa se dar conta do ocorrido.
Agora já começa a ficar mais fácil as comparações entre HTFs e o Front Running, não é mesmo? Se sim, essa é a hora de falar do Flash Crash de 2010. Lembra que eu disse que esse foi um evento divisor de águas para esse tipo de discussão?
O que foi o Flash Crash de 2010?
Embora o uso de softwares para negociações nos mercados financeiros já fosse uma prática bastante difundida, a polêmica acerca da High-Frequency Trading ganhou força em 2010, com o evento que originou o termo “Flash Crash“: a queda do Índice Dow Jones, indicador que mede o desempenho médio das 30 empresas mais negociadas na bolsa de Nova Iorque.
Na época, um erro de codificação ocasionou a geração de uma avalanche de operações de contratos futuros, ocasionando a queda de quase 9% do Índice — seguida, após alguns minutos, pela rentabilização do mesmo.
Mais tarde, além de identificar a falha do computador, a Securities Exchange Comission (SEC) — agência reguladora responsável por investigar o mercado financeiro nos Estados Unidos — divulgou um documento onde confirmava que as empresas de HFT (que adquiriram de maneira “automática” a grande parte dos contratos e outras ações impactadas pelo evento) colaboraram para a desestabilização do indicador.
Esse fenômeno trouxe à luz as vantagens competitivas por parte de operadores que utilizam tais programas capazes de reconhecer desvios de padrões e executar ordens em velocidade recorde. A situação colocou uma pulga atrás da orelha de muita gente, e fez o mercado levantar dois questionamentos:
- 1. É possível que operadores se beneficiem indevidamente do uso de tais softwares?
- 2. A rapidez de processamento dos computadores — impossível de ser acompanhada pela capacidade humana — não poderia ser entendida como Front Running, uma vez que as máquinas podem correr à frente de operadores?
Polêmica à parte, a conclusão oficial foi de que nenhum dos questionamentos era válido. Isso porque, segundo as autoridades, o funcionamento do software não refletia em nenhum dos dois fatores que fundamentam a prática de Front Running:
- 1º. Os computadores não utilizavam Insider Information, mas sim dados abertos ao público divulgados pelas bolsas;
- 2º. O ganho obtido pelos operadores e instituições financeiras não se deu às custas de informações privadas de clientes.
Assim, a investigação acerca das operações de alta frequência que resultaram no Flash Crash do Dow Jones não resultou em punições às empresas e operadores de HFTs. As negociações de alta frequência, contudo, seguem tema de controvérsias, incluindo discussões frequentes sobre a necessidade de regulamentações específicas para seu uso.
Quais são os principais exemplos de Front Running?
Infelizmente, não são poucas as histórias de Front Running que tenho para contar. Algumas, inclusive, são bem famosas.
Em 2011, por exemplo, o HSBC soube que um cliente iria fazer uma troca cambial colossal de dólares para libras esterlinas. Tamanha transação, é claro, iria fazer o preço da moeda subir. Sabendo disso, o banco fez uma compra de libras. Na época, o lucro do HSBC foi de milhões de dólares — mais de US$8 milhões!
A justiça até demorou um pouco, mas chegou: seis anos depois, o HSBC precisou pagar uma multa de US$100 milhões por causa desse Front Running e outras atividades ilegais.
Há também uma situação mais recente, de setembro de 2020. Nessa época, um ex-operador de um banco suíço teve que pagar R$500 mil por operações Front Running. O seu lucro, aliás, havia sido de R$1,84 milhão entre os anos de 2012 e 2014.
Um dos detalhes da história que mais levantou suspeita foi o fato de que a taxa de sucesso das operações day trade realizadas pelos envolvidos era bastante alta. Basicamente, em um total de 432 movimentações, 311 trouxeram lucro.
É crime praticar Front Running?
É, sim. Inclusive, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem uma orientação bastante clara sobre o assunto. Essa orientação foi estabelecida em 1979 e o documento nº8/19797 diz:
“É vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não-equitativas”.
Basicamente, se o processo se torna tendencioso e desequilibrado, então ele está errado. Essa é uma das premissas mais sólidas do documento, aliás.
Qual é a pena para Front Running?
Se é crime, há pena. A lei prevê prisão de um a oito anos, além de uma multa no valor de até três vezes o montante da vantagem ilícita tomada pela pessoa que cometeu o crime.
Quem pratica Insider Trading?
Como vimos, o Insider Trading é um ato ilícito caracterizado como o uso de Insider Information desconhecidas por outros investidores, para obter vantagens e lucros no mercado financeiro. Uma vez que esses dados não são públicos, o Insider Trading só pode ser praticado por colaboradores que trabalham em empresas que possuam ações na Bolsa de Valores, e que possuam acesso a informações sigilosas.
Desse modo, tratam-se, normalmente, de funcionários de alto escalão, administradores ou conselheiros dessas empresas
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Comentários
embora muito parecidas as duas operações, se destinguem pelo agente em alferir resultado para si ou para outrem, com base no privilegio da mesma. E isso?
Olá Marcos, tudo certo cara? Você está falando do conceito Insider Trading X Front Running? Se for, Insider Trading é você pegar uma informação sigilosa de não conhecimento do mercado e usar para ganho próprio ou de terceiros. Isso pode ser feito por um colaborador de alguma Sociedade Anônima ou empresa que está para ser comprada por uma S.A. Já Front Running é correr na frente, ou seja, quando você tem ciência que as próximas movimentações que você fizer para seu cliente irá gerar ganhos e antes de você executar a ordem, você realiza a sua em primeiro. Assim, você vai obter ganhos por ter uma informação privilegiada. Resumindo, insider trading é o uso de informação interna (confidencial) para ganhos próprios e de terceiros, e front running é exclusivamente de um AAI realizar uma ordem antes de seu cliente, para obter lucros próprios ou para terceiros. Okay? ) Visite meu canal no YouTube! Adquira nosso curso completo para as provas da CPA 20. Siga a gnt no Instagram e não esqueça de compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Tenha acesso aos materiais de estudos da TopInvest Um abraço, Kléber Stumpf
Qual a pena para quem pratica Front Running?
Sabemos que a multa para Insider Trading é de 1 a 5 anos + multa, correto?! A pena para Front Running é a mesma?
Bom dia Luiz, tudo bem? Conforme disposto no artigo 27-C DA lEI Nº 6385/76: reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Visite meu canal no YouTube! Adquira nosso curso completo para as provas da CPA-20. Tenha acesso a todas as questões comentadas do Simulados TopInvest! Siga a gnt no Instagram e não esqueça de compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Tenha acesso aos materiais de estudos da TopInvest Abraço!
Bom dia Luiz, tudo bem? Conforme disposto no artigo 27-C DA lEI Nº 6385/76: reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Visite meu canal no YouTube! Adquira nosso curso completo para as provas da CPA-20. Tenha acesso a todas as questões comentadas do Simulados TopInvest! Siga a gnt no Instagram e não esqueça de compartilhar nosso conteúdo para que possamos continuar com a educação financeira gratuita. Tenha acesso aos materiais de estudos da TopInvest Abraço!