O seu cérebro é um grande preguiçoso – e não sou eu que estou te acusando, é o que a heurística da disponibilidade diz. Se você nunca ouviu falar sobre essa teoria, então é nesse artigo que eu vou te explicar como ela funciona.
De início, eu te adianto que estamos basicamente falando de uma espécie de atalho mental. Em resumo, nosso cérebro tende a definir probabilidades a partir da lembrança de eventos similares que vivemos ou conhecemos no passado.
Essa tendência pode resultar em uma visão distorcida da realidade, e atrapalhar muito a nossa vida, especialmente em momentos nos quais temos que tomar uma decisão. Essa é, inclusive, a razão pela qual eu trouxe a heurística pra roda: o investimento de muita gente pode ser negativamente afetado por esse “truque” da nossa cabeça.
O que é heurística da disponibilidade?
A heurística da disponibilidade é a tendência que o nosso cérebro tem de estabelecer a probabilidade de um determinado evento acontecer, baseado em experiências semelhantes anteriores.
Se alguém te perguntasse sobre o nível de segurança no seu bairro, você provavelmente responderia com base na sua própria vivência, na de pessoas próximas ou até lembraria de algumas notícias que já leu sobre a região.
Esse raciocínio é bastante natural e há uma lógica por trás dele. Nesse cenário hipotético que eu trouxe, caso não tenha nenhuma pesquisa ou estatística que realmente estabeleça um panorama sobre a segurança do seu bairro, seu cérebro formulará a resposta com base em outras informações que você possua – geralmente experiências que envolvem contextos semelhantes.
Talvez você não note, mas nos comportamos dessa forma o tempo todo. Assim, na hora de tomar decisões, a heurística da disponibilidade entra em cena: em vez de nos basearmos em dados concretos, utilizamos atalhos mentais e recursos menos confiáveis. Por essa razão é que esta teoria pode nos levar a uma visão distorcida da realidade.
Qual a teoria da heurística da disponibilidade?
Essa teoria vem dos autores e psicólogos israelenses Tversky e Kahneman, que em 1974 publicaram um de seus estudos mais significativos, chamado Judgement under uncertainty: Heuristics and biases (em tradução literal, “Julgamento sob incerteza: heurísticas e vieses”). A base deste artigo concentra-se na teoria de que o viés da disponibilidade vem da facilidade que o ser humano tem de estabelecer julgamentos e estimativas a partir da primeira ideia que surge à mente.
No texto, os autores resumem a heurística da disponibilidade da seguinte forma:
Muitas decisões baseiam-se em crenças relacionadas à probabilidade de certos eventos acontecerem, como o desfecho de uma eleição, a culpa de um réu ou o preço do dólar. Essas crenças são normalmente expressadas por meio de frases como “eu acho que…”, “as chances disso são…”, “é bem improvável que…”, entre outras. […] O que determina essas afirmações? Como as pessoas mensuram a probabilidade de um evento incerto ou o valor de uma quantidade incerta?” (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974).
Um exemplo bem emblemático de como o nosso cérebro utiliza a heurística da disponibilidade são os aviões. Estatísticas mostram que a probabilidade de um acidente aéreo acontecer é drasticamente menor do que a probabilidade de sofrermos um acidente no trânsito.
Mesmo assim, o medo de avião é extremamente comum e a maioria das pessoas se sente mais segura viajando de carro. A razão para tal é que o nosso cérebro não compara a segurança entre esses dois meios de transporte a partir de dados reais, mas a partir das nossas próprias impressões sobre o tema.
Tversky e Kahneman trazem o exemplo de uma casa em chamas em seu estudo: presenciar essa cena seria muito mais impactante do que ler sobre a tragédia em um jornal – e a força desse impacto é o que fica na memória. O mesmo acontece com os aviões: ficar sabendo de um acidente aéreo, nos quais o número de vítimas é sempre bem maior, nos assusta muito mais do que ler sobre um acidente de carro. Assim, ao comparar ambos os cenários, nosso cérebro toma como base os primeiros pensamentos que nos ocorrem – ou seja, os mais emblemáticos.
Como funciona a heurística da disponibilidade?
Quando eu utilizo a palavra “negócio” nos meus artigos, eu tenho certeza que você liga o termo diretamente aos seus sinônimos mais óbvios dentro do contexto financeiro no qual estamos ambos inseridos: empresa e estabelecimento, por exemplo.
Entretanto, apesar de sua definição literal realmente se voltar para o âmbito corporativo, você sabe que, informalmente, utilizamos essa palavra em inúmeros outros contextos – um sinônimo possível para “objeto” e “coisa”, por exemplo.
Mesmo assim, seu cérebro rapidamente considera que você está em um site sobre o mercado financeiro e dá à palavra o significado correto de acordo com esse cenário. Ou seja, se agarra ao significado que chega primeiro na sua mente.
Essa mecânica se dá pelo fato de que o nosso cérebro é econômico quando se trata de gastar energia. Apesar do órgão consumir mais de 20% da nossa energia vital, ele também tem a habilidade de tentar economizá-la.
Essa habilidade, aliás, tem origem nos primórdios, quando a tomada de decisão de um ser humano era completamente instintiva e definitivamente não se baseava em estatísticas. Com o objetivo importantíssimo de sobreviver, o cérebro humano então desenvolveu a tática de oferecer soluções em tempo recorde, sem precisar gastar muita energia. É por isso que, hoje, entre tantos outros exemplos, você lê a palavra “negócio” nesse blog e sabe exatamente qual o significado certo para a palavra, de acordo com o contexto.
A heurística da disponibilidade não deixa de ser um viés cognitivo incrível. Afinal, é prova da evolução humana e certamente ajudou nossa espécie não somente a sobreviver, mas também a prosperar. Entretanto, como frequentemente acontece com atalhos mentais, eles podem nos levar a equívocos, principalmente quando ignoramos estatísticas e dados reais.
Até aqui, eu trouxe vários exemplos de como essa teoria se aplica a diferentes contextos. Agora, chegou o momento de trazê-la para um cenário que você conhece muito bem
Como a heurística da disponibilidade ocorre nos investimentos?
“Rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura”: já esbarrou nessa frase por aí? Eu tenho certeza que sim, pois este aviso é uma obrigatoriedade imposta pela Anbima para materiais informativos sobre Fundos de Investimento.
Essa exigência é bastante pertinente, especialmente se considerarmos que a heurística da disponibilidade compromete o lucro de muitos investidores por aí. A receita para o desastre é simples: basta considerar o passado recente de um título como um indicador financeiro confiável.
É dessa forma que muita gente toma decisões ruins na hora de aplicar o dinheiro. Ou seja, em vez de considerar índices e estatísticas verdadeiros, apenas confiam que uma ação que tenha subido bastante nos últimos meses, por exemplo, vai continuar subindo ininterruptamente.
Resumidamente, se render à heurística nesse contexto é ignorar a complexidade do mercado econômico e fadar a si mesmo ao prejuízo.
Exemplos de heurística da disponibilidade
Quando um gestor de fundos de investimento tem um histórico de sucesso, é comum observarmos o efeito manada. Isso porque, nesse cenário, mais investidores irão buscar pela gestão da mesma pessoa, ao passo que muitos outros serão influenciados pela decisão dos primeiros.
Aqui, temos um exemplo clássico da heurística nos investimentos. Afinal, todos esses investidores estariam apostando em um golpe de sorte – a lembrança de um evento passado semelhante, sem considerar aquilo que de fato é importante e real:
- Inflação;
- Momento político;
- Riscos financeiros;
- Taxa de juros;
- Características específicas de cada título;
- Perfil de investidor.
Outra situação na qual o atalho mental pode gerar prejuízo é a utilização de apenas um indicador financeiro como base. Nesse caso, o problema é muito mais sutil: imagine que determinado índice tenha sido divulgado recentemente e, no passado, este mesmo dado tenha impactado positivamente a carteira do investidor X.
Com essa atualização, a heurística da disponibilidade logo começará a trabalhar no cérebro de nosso investidor X e este, esquecendo-se de seu lado racional, fará uma nova aplicação pois acredita que a sequência de acontecimentos do passado se repetirá.
Entretanto, essa lógica, como você já sabe, pode representar uma percepção falsa da realidade e outros fatores – ignorados pelo investidor – podem o levar ao prejuízo.
Qual é a diferença entre heurística de disponibilidade e ancoragem?
A heurística da ancoragem é outro tipo de atalho mental, assim como acontece com o viés da disponibilidade. Porém, em vez de se referir às experiências passadas, a ancoragem se refere especificamente à aquisição recente de determinadas informações.
Essa é uma técnica bem comum no campo das vendas, já que ajuda estabelecimentos a definirem estratégias que aumentem suas vendas, a partir da compreensão do raciocínio dos consumidores.
Quando você vai a uma loja que está em promoção, encontra cartazes que evidenciam o preço novo, com um suposto grande desconto, e que trazem ainda a informação de quanto o produto custava antes.
Às vezes, o preço anterior pode ter sido alterado para fazer o desconto parecer maior. Noutras, outras lojas podem vender o mesmo item por um valor menor ou igual. Mesmo assim, as chances de alguém comprar o produto em promoção são enormes, já que a heurística da ancoragem fará com que este consumidor compare o preço atual unicamente com o preço antigo informado no cartaz – afinal, esta é a informação mais recente que seu cérebro processou dentro desse contexto.
No âmbito dos investimentos, alguém que considere apenas a última notícia que leu sobre uma commodity específica, por exemplo, pode resolver investir neste ativo sem estudar outros fatores antes, ou analisar seus riscos.
O atalho mental tomado a partir do viés da ancoragem pode até ser ligeiramente diferente do viés da disponibilidade, porém, em ambos temos o equívoco de desconsiderar fatos exatos em prol de de uma “miragem” criada pelo nosso cérebro, digamos assim.
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Agora que você já sabe como a heurística da disponibilidade pode afetar negativamente um investidor, me promete começar a prestar mais atenção no seu processo de tomada de decisão e também no processo de seus futuros clientes?
Ao contrário dos humanos que precisavam caçar para sobreviver e desenvolveram esse hábito como uma espécie de mecanismo de defesa útil para aquela época, hoje a nossa energia não é escassa e, no que diz respeito ao nosso mercado, o ideal é que você treine o seu cérebro para investir todos os recursos necessários em prol de uma estratégia financeira baseada em fatos e estudos.
Por isso, se você quer se tornar um profissional fora da curva e que não somente detém conhecimento técnico, mas também sabe lidar com as particularidades da mente humana, então eu te recomendo o canal da TopInvest no YouTube. Por lá, você encontra mais conteúdos como esse – gratuitos e que vão fazer a diferença na sua carreira.
Comentários
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