Por mais que, devido à cobertura midiática e à intensificação da polarização política, a palavra “corrupção” tenha passado a fazer parte do debate público com maior intensidade nos últimos anos, o uso indevido de cargos de poder para beneficiamento próprio é um mal histórico brasileiro que remete ao colonialismo.
É estimado que esses crimes causem um prejuízo na ordem de R$200 bilhões ao ano ao Brasil. Dado que reflete também na percepção pública negativa sobre o país, a qual o posiciona como o 94ª mais corrupto, de acordo com o levantamento realizado pela ONG Transparência Internacional.
Em resposta a esse cenário, a legislação brasileira tem criado medidas constantes de prevenção e combate a crimes fiscais e financeiros como sonegação, fraudes e lavagem de dinheiro. Uma dessas iniciativas foi a criação da classificação de pessoas expostas politicamente (PEPs), grupo que abrange figuras políticas e personagens com quem essas mantêm relações próximas.
De acordo com a legislação, pessoas incluídas nesta lista devem ter suas transações e operações constantemente supervisionadas por instituições financeiras, além de se declararem como tal ao se relacionarem comercialmente com empresas privadas, de modo a minimizar os riscos de atos financeiros ilícitos.
Na mesma direção, de maneira a diminuir as chances de ver sua marca relacionada a escândalos financeiros, as companhias também têm fortalecido suas estratégias de salvaguarda ao se envolver com PEPs.
Diante da importância da temática para todo o mercado financeiro, é preciso que quem já trabalha na área ou quem tenha perspectivas de ingressar nela saiba quais os riscos de se envolver com pessoas expostas politicamente, bem como os cuidados necessários ao manter negociações com esses indivíduos.
Para te ajudar nessa tarefa, ao longo deste artigo te mostrarei como identificar uma pessoa exposta politicamente, como a tecnologia pode ser sua aliada ao monitorá-las, como é feita a declaração de uma PEP, e muito mais!
O que é uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP)?
Mais conhecidas pela sigla PEP, as pessoas expostas politicamente — ou ainda, pessoas politicamente expostas — são cidadãos submetidos legalmente a um monitoramento minucioso de suas movimentações financeiras e fiscais, com o intuito de prevenir casos de corrupção, fraudes e crimes como sonegação e lavagem de dinheiro.
Criada em 2006, por meio da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCLA), essa distinção é utilizada para que instituições financeiras — como bancos, corretoras de valores e seguradoras — tenham atenção redobrada sobre as transações desses indivíduos.
Análises que apontam transações suspeitas promovidas por PEPs são enviadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência do governo federal responsável por identificar ocorrências de atividades financeiras ilícitas.
Quem são as pessoas expostas politicamente?
São consideradas pessoas expostas politicamente todos os agentes públicos que atuam ou tenham atuado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em países e dependências estrangeiras, em cargos, empregos ou funções públicas relevantes, bem como seus representantes, familiares e colaboradores próximos.
Como instrumento complementar ao aprimoramento de práticas de prevenção de lavagem de dinheiro e corrupção, a lista de PEPs passa por revisões constantes. Medidas recentes, como a Resolução número 29 do Coaf, e a Circular 3.978 do Banco Central do Brasil (Bacen), por exemplo, ampliaram em dezenas de milhares o número de indivíduos sujeitos a monitoramento especial das instituições financeiras.
Entre os cargos que se enquadram como PEP estão:
- Presidente da República;
- Ministros de Estado;
- Governadores de estado e do Distrito Federal;
- Senadores;
- Deputados federais;
- Deputados estaduais;
- Prefeitos;
- Secretários de Estado;
- Secretários Municipais;
- Vereadores;
- Embaixadores;
- Presidentes e tesoureiros nacionais de partidos políticos;
- Presidentes, diretores – ou posições equivalentes – de fundações, e empresas públicas ou de economia mista;
- Membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
- Membros do Conselho Nacional do Ministério, procuradores e subprocuradores;
- Membros do Tribunal de Contas da União (TCU);
- Presidentes de tribunal de contas do estado e de municípios.
Além disso, familiares e pessoas próximas de ocupantes dos cargos acima citados também podem ser consideradas PEPs. Entre elas é possível citar:
- Pais e filhos;
- Cônjuge e companheiros;
- Irmãos e irmãs;
- Tios e tias;
- Membros familiares indiretos como: sogros, genros, entre outros.
O Coaf define ainda quem pode ser considerado como uma PEP estrangeira. Nessa lista estão:
- Chefes de estado ou de governo no exterior;
- Ocupantes de cargos governamentais;
- Generais;
- Membros do poder judiciário;
- Executivos de empresas públicas;
- Dirigentes de partidos públicos.
De modo a manter o rigor do monitoramento de PEPs, o Bacen determina às instituições financeiras a realização de avaliações internas e específicas de risco, além de verificação constante sobre o cadastro de seus clientes.
Importante destacar que o Coaf prevê que as abordagens de análise tenham por foco as operações suspeitas, e não os indivíduos propriamente ditos.
Quais são os riscos de se envolver com uma Pessoa Politicamente Exposta?
Não é complicado de imaginar os danos — de imagem e patrimônio — que podem ser causados a uma marca que tenha seu nome vinculado a personagens públicos envolvidos em escândalos de corrupção ou de lavagem de dinheiro nos noticiários.
Por isso, é primordial que a empresa ou instituição busque meios de prevenção, como o aprimoramento da gestão de compliance e de análises de risco, ao fazer aproximações com terceiros.
Entre os riscos comuns a quem firma relações com PEPs estão:
- Riscos Fiscais: fraudes de tributação e omissão de registros e patrimônios, popularmente chamados de “dribles fiscais”;
- Riscos Financeiros: transações de dinheiro com origem desconhecida ou ilegal;
- Riscos Reputacionais: a empresa pode ter sua reputação manchada, caso a opinião pública entenda que seus gestores se beneficiaram de subornos;
- Receita Reduzida: o patrimônio da companhia também pode ser significativamente afetado por pagamento de multas, gastos com processos judiciais e perda de negócios;
- Riscos legais: as companhias são suscetíveis a sanções, bloqueios judiciais de conta ou impedimentos, segundo solicitação de órgãos governamentais.
Assinalados os riscos, é preciso reforçar, porém, que não existem impeditivos de negociar com PEPs. Isto é, há de se tomar cuidado para não estigmatizar essa lista ou tomá-la como sinônimo de perigo. O indicado é, tão somente, que se tenha maior atenção com esses nomes, dado os cargos que ocupam e a relação pública que mantém.
Como saber se a pessoa é politicamente exposta?
Perante os riscos envolvidos ao se negociar com uma pessoa exposta politicamente envolvida em fraudes e crimes financeiros em geral, é imprescindível que as empresas saibam como reconhecê-las. Por mais que essa não seja uma tarefa simples, considerando que essa classificação engloba muito mais do que nomes e rostos políticos facilmente reconhecíveis, se estendendo a familiares e mesmo a “pessoas próximas”, existem diferentes maneiras de identificar esses indivíduos.
Para as empresas, um atalho, por exemplo, é acessar a lista aberta de PEPs no Portal da Transparência. Atualizada por diferentes setores e entidades da Administração Pública, esse documento disponibiliza todos os nomes de agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado cargos públicos relevantes nos últimos cinco anos.
Para maior segurança, essa lista pública só deve ser vista enquanto material adicional ou ponto de partida para uma análise mais aprofundada. Para evitar problemas, o mais recomendado é a realização de um minucioso trabalho de background check. Ou seja, uma consulta em bancos de dados para confirmar a identidade e o histórico do novo cliente.
Entre os fatores mais importantes a serem considerados em uma análise dessa natureza estão:
- Associação com trabalho escravo;
- Dados financeiros e fiscais;
- Financiamento de atos de terrorismo;
- Histórico profissional e pessoal.
- Participação em fraudes ou casos de corrupção;
- Participações societárias.
Compreendido que nem toda relação mantida com PEPs é negativa, a compilação de informações como essas são cruciais para assegurar se o indivíduo em questão é ficha limpa, cabendo à empresa decidir se há ou não benefícios em prosseguir com suas negociações.
Qual a importância de identificar as PEPs?
Identificar PEPs pode ter importância vital para a manutenção do patrimônio e da reputação de uma instituição ou companhia, bem como para evitar problemas legais.
Indiferentemente da natureza do vínculo mantido entre as partes, a associação da marca a uma pessoa exposta politicamente envolvida em atividades financeiras ilícitas tende a ganhar conotações negativas.
Como em um efeito dominó, uma imagem manchada conduz a quedas de receita e de valor da empresa. Além de possíveis gastos judiciais, uma opinião pública desfavorável pode resultar na de oportunidades de negócios e parcerias.
Como identificar e monitorar Pessoas Politicamente Expostas com a tecnologia?
De um lado, a necessidade de levantar informações sobre novos clientes de modo a resguardar a empresa de contratos com sujeitos de ficha suja. Do outro, a pressa de não deixar oportunidades escaparem devido àdevido a demora de uma análiseuma análises de background check. Felizmente, o que poderia parecer um dilema profundo é facilmente resolvido por meio da tecnologia.
Atualmente, existem diferentes plataformas de mineração de dados baseadas em tecnologias de big data, machine learning e inteligência artificial, capazes de entregar de maneira bastante ágil todas as informações necessárias para blindar as empresas de perigos corporativos.
Na prática, essas plataformas pesquisam e cruzam informações de milhares de bancos de dados públicos e privados, nacionais e internacionais, de modo a checar a credibilidade e o histórico dos clientes.
Consideradas a agilidade, a imparcialidade e a constante atualização dos dados concentrados por essas tecnologias, mais que detectar PEPs, essas ferramentas permitem um monitoramento constante e altamente confiável de suas movimentações.
Além disso, são capazes de determinar vínculos de PEPs com pessoas que não exercem cargos públicos e que não estão em seus círculos familiares, alertando a empresa sobre a possibilidade de eventuais “laranjas” — pessoas físicas ou jurídicas que fornecem seus dados para que criminosos ocultem bens da fiscalização federal.
Como se relacionar com Pessoas Politicamente Expostas?
A maneira mais comum de se relacionar com pessoas politicamente expostas se dá pela inserção de cláusulas contratuais específicas, capazes de resguardar a companhia de quaisquer problemas legais.
Essas cláusulas podem, por exemplo, facilitar a quebra de contrato entre as partes, se uma PEP com ficha limpa no momento da assinatura tiver problemas fiscais futuros que possam afetar a imagem da companhia.
Caso a empresa não conte com nenhuma dessas salvaguardas, ela pode esperar o vencimento do contrato e optar por não renová-lo.
Em muitas situações, vale o reforço, o relacionamento com determinados PEPs pode ser financeiramente vantajoso para a companhia. O ideal, portanto, é manter um acompanhamento constante dessas pessoas. Para isso, o mais indicado, conforme explicado, é recorrer às tecnologias de big data para que nenhuma movimentação ou informação relevante passe despercebida.
De maneira a agregar ainda mais uma camada protetora, é importante que a empresa mantenha um dossiê com a data e as informações cedidas quando do início da relação com uma pessoa politicamente exposta. Essa é uma maneira de resguardar a companhia em casos de problemas legais ou fiscais envolvendo PEPs.
Quem pode autorizar o relacionamento comercial com uma Pessoa Exposta Politicamente?
Segundo o determinado pela Resolução 29 do Coaf, o relacionamento comercial com pessoas expostas politicamente só pode ser autorizado por sócio administrador da companhia.
Contudo, tarefas como a identificação de uma PEP, análise de seu histórico e informações, e o monitoramento de seu cadastro são permitidas a colaboradores delegados.
Seguro para Pessoa Politicamente Exposta
A relação entre pessoas expostas politicamente com corretoras de segurança, entidades de previdência complementar, seguradoras e sociedades de capitalização deve respeitar as normativas especificadas na Circular 341/07 da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
De modo a prevenir fraudes e esquemas de corrupção, ao assinar acordo com uma PEP, a entidade é obrigada a identificar seu cliente com essa classificação, bem como verificar a origem dos recursos transacionados e sua compatibilidade com o patrimônio cadastrado.
A normativa determina ainda que a abertura de relacionamento com PEPs, ou o prosseguimento de relações com clientes já existentes que passam a se enquadrar nesta classificação, só podem ser autorizadas pela alta gerência. Uma vez estabelecido o acordo, é exigido que a instituição estabeleça medidas de vigilância constante das negociações abertas com as PEPs.
A circular também estabelece regras específicas para as relações com pessoas politicamente expostas estrangeiras, naturais de países com que o Brasil tenha proximidades étnicas, linguísticas ou políticas. Além de terem que solicitar a declaração de PEP antes de negociar com esses sujeitos, as instituições precisam monitorar suas operações com cautela.
Para que serve a declaração de Pessoa Politicamente Exposta?
A declaração de pessoa politicamente exposta serve tanto como uma proteção para quem firma relacionamentos comerciais com uma PEP, quanto como uma forma de fortalecer o monitoramento e o combate de atos financeiros e fiscais ilícitos.
PEPs têm a obrigação de se declarar como tal ao firmar acordos e negociar com empresas privadas. Ao assinar a declaração, o sujeito manifesta a veracidade do conteúdo e assume a responsabilidade de informar qualquer alteração à sua condição, eximindo a companhia de problemas relacionados que possam aparecer.
De modo a assegurar a transparência da origem dos recursos e das transações financeiras, certos setores como as instituições financeiras são obrigados pelo Bacen, sob risco de penalizações em caso de descumprimento, de identificar as pessoas expostas politicamente com quem firmam contratos.
Como fazer uma declaração de Pessoa Politicamente Exposta?
De maneira a facilitar o monitoramento do sistema financeiro, pessoas expostas politicamente são legalmente obrigadas a declarar sua condição ao negociarem com empresas do setor privado. Para fazer essa declaração, é preciso fornecer dados que a identifiquem política e pessoalmente, bem como informações sobre seu patrimônio.
A realização desse processo passa pelo cumprimento das seguintes etapas:
- Identificação: a primeira etapa consiste no fornecimento de dados de identificação pessoal, tais como nome completo, data de nascimento, nacionalidade, endereço, RG e CEP;
- Vínculos políticos: o segundo passo é especificar qual o cargo político ocupado atualmente ou ao longo dos últimos cinco anos. Caso seja familiar ou pessoa próxima a uma autoridade política, esse vínculo também precisa ser exposto;
- Dados financeiros: além de documentos que comprovem sua identidade e seus vínculos, a pessoa precisa fornecer informações sobre seu patrimônio. Devem ser especificadas suas fontes de renda, imóveis, ações, bens, entre outros;
- Documentação: uma vez preenchida todas as informações acerca da identidade e das finanças da PEP, é preciso fazer a anexação das cópias de documentos que comprovem a veracidade dos dados oferecidos. Podem ser utilizados passaporte, RG e outros documentos oficiais de identificação;
- Submissão: por fim, terminada a declaração, ela deve ser entregue à instituição financeira, que será responsável por checar as informações recebidas e o histórico da PEP, bem como por determinar as medidas cabíveis para minimizar o perigo de associação com possíveis atos ilícitos.
Pessoa Politicamente Exposta x Compliance
Conceito derivado do verbo frasal “to comply with” — em tradução livre: “estar de acordo” ou “estar em conformidade” —, compliance é a denominação dada ao conjunto de normativas que precisam ser respeitadas para o correto cumprimento das políticas corporativas e das exigências legais da atividade de uma companhia.
Embora sua origem remeta à criação do sistema de bancos centrais dos Estados Unidos — o Federal Reserve System (FED) —, o termo compliance passou a ganhar atenção quase cinquenta anos depois, com a consolidação da Lei Anticorrupção estadunidense – Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) – de 1970.
Instaurada como resposta a uma sequência de escândalos de corrupção envolvendo companhias privadas e governos à época, a popularização da FCPA fez com que as empresas passassem a se dedicar a criação de ações de compliance, como maneira de reparar os danos à reputação e retomar sua clientela.
Semelhante ao que ocorreu ao norte do continente, no Brasil, o conceito de compliance também passou a ter relevância com a aprovação da Lei Anticorrupção, em 2013, e com os holofotes dados a diversos acontecimentos envolvendo empresas públicas e privadas na última década.
Desde então, de modo a cumprir com o compliance de legislações fiscais, as empresas têm redobrado o cuidado para a identificação e estabelecimento de relacionamento com PEPs. As maiores aliadas nessa área são as tecnologias capazes de automatizar o cruzamento e a checagem de dados desses clientes, assim como o monitoramento perpétuo de suas atividades.
Dada a declaração de uma PEP, a verificação da veracidade dos documentos apresentados, e o levantamento de informações em bancos de dados, a companhia pode então se prevenir antes de negociar com esses sujeitos, diminuindo os riscos de fraudes ou de envolvimentos em atos ilícitos.
Qual o prazo para que um cliente que deixa um cargo público deixe de ser PEP?
No Brasil, conforme determinado pelo Coaf, a condição de pessoa exposta politicamente perdura por cinco anos. Esse prazo deve ser contado de maneira retroativa desde a data inicial em que o sujeito se tornou uma PEP.
Em suma, a pessoa para de ser considerada politicamente exposta a partir do momento em que deixa de ocupar cargo de poder, ou não conta mais com relações com partidos políticos, governos ou instituições públicas.
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